Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela. (25-4-14)

Rio de Janeiro, dia 21 de Abril de 2014, Copacabana – Morro do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo

Rio de Janeiro, dia 21 de Abril de 2014, Copacabana – Morro do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo”

Sobre o assassinato de DG e Edilson….

O jovem de 26 anos, Douglas Rafael da Silva Pereira, dançarino do programa “Esquenta”, e conhecido como “DG” vai ao morro visitar sua filha Laila, de 4 anos.

Durante a madrugada inicia-se intenso tiroteio e DG desaparece. A polícia alega ter feito uma operação para averiguar denúncia de venda de drogas no local.

Doze horas depois de sua morte, o corpo de DG aparece numa viela, dentro de uma creche da favela.Segundo relatos e fotos, o jovem estava bastante ferido e com os braços cruzados, em posição de defesa.Em nota divulgada, a Polícia Civil informou que a análise do IML mostrou que as escoriações eram “compatíveis com morte ocasionada por queda”. Na declaração de óbito, a causa da morte é descrita de forma sintética: “Hemorragia interna decorrente de laceração pulmonar decorrente de ferimento transfixante do tórax, ação perfurocontundente”. O documento não detalha, no entanto, o que teria provocado o ferimento.

Na tarde do dia 22, revoltados com o assassinato do dançarino, os moradores fazem um protesto contra as constantes cachinas feitas por policiais das UPP’s.
De acordo com os próprios moradores, DG era um símbolo para as crianças do morro. Ele não morava na favela, mas estava diariamente lá. Através da dança, encantava e desenvolvia atividades no local. Era um jovem extrovertido, simpático e costumava ajudar os amigos, inclusive com o dinheiro que recebia de seus recentes trabalhos.

Alguns depoimentos confirmam que o protesto não foi ordenado pelo tráfico organizado, que as crianças do morro, revoltadas, começaram a jogar pedras em unidades policiais.
A resposta à manifestação foi a de costume: mais violência. Centenas de policiais, incluindo tropas especiais, entraram na favela efetuando disparos, fazendo abordagens violentas e espalhando terror entre os moradores. Os mesmos responderam com barricadas, paus e pedras e gritos de ordem.

Edílson da Silva dos Santos, de 27 anos. Ele morreu atingido por um tiro no rosto durante protesto ocorrido na terça-feira (22) na comunidade do Pavão-Pavãozinho pela morte do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG.

Edílson da Silva dos Santos, de 27 anos. Ele morreu atingido por um tiro no rosto durante protesto ocorrido na terça-feira (22) na comunidade do Pavão-Pavãozinho pela morte do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG.

Por volta das 18h, na parte baixa da Ladeira Saint Roman, Edilson Silva dos Santos, de 27 anos, foi baleado na cabeça por policiais. O jovem era morador e portador de deficiência mental, e tinha saído de casa quando soube da morte do amigo Douglas. Pessoas que estavam no local afirmaram que Edilson levantou as mãos quando foi abordado, e ainda assim foi alvejado.
Edilson passou alguns anos no manicômio judiciário e apareceu na comunidade sozinho, dormia em uma kombi e aparentava sempre tristeza. Foi adotado por uma moradora, mãe de mais 11 filhos. Conhecido como “Mateuzinho”, era bem quisto pelos vizinhos e costumava ser prestativo.

Dia 23 de Abril de 2014 – Enterro de DG e manifestação em repúdio à política de “pacificação” e à ocupação militar nas favelas.

Um ato é marcado às 13 h em frente à creche Municipal, no Pavão- Pavãozinho, onde foi encontrado o corpo de Douglas.
Familiares e amigos desolados se reunem e seguem em marcha fúnebre em direção ao cemitério Batista, em Botafogo.Mídia Negra esteve no local e presenciou um menor de idade sendo abordado em uma das saídas do morro .

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Após ser revistado, um homem que não usava farda, mas estava armado, se aproxima do menino e bate uma foto com um celular.  Alegando que o mesmo estava sem documentos, junto com o homem não identificado, policiais militares levam o jovem para o interior de um veículo sem características da corporação.

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Registramos o momento, o carro e o possível policial à paisana. Nós, mídia ativistas, entendemos que o ocorrido pode ser chamado de sequestro. Os policiais se negaram a informar para onde o menino estava sendo encaminhado.

Com cartazes que exigiam o fim do extermínio e das UPP’s, moradores e manifestantes ecoavam gritos de ordem: “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar!”; “Chega de alegria, essa polícia mata pobre todo dia”; “Justiça!”.
Centenas de policiais acompanhavam a marcha e o policiamento também foi reforçado aos arredores do bairro. Em coro, os revoltosos gritavam “assassinos!” na passagem pelo 19o Batalhão da PM.

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Já na capela onde estava sendo velado o corpo de Douglas, a mãe do rapaz, Maria de Fátima da Silva, fala com a população local e imprensa. Ela acusa os policiais da UPP de terem torturado e matado o jovem. Maria de Fátima ainda questiona a presença de tantos policiais no enterro do filho. “Quem chamou esses assassinos para virem aqui?”. Perceptivelmente abalada ela ainda afirma: “Mataram meu filho. Não convidei a polícia para estar aqui. Por que tantos estão aqui? Os manifestantes também não convidaram eles. Eu só quero os amigos. Esse é um momento para os parentes e amigos se despedirem dele em paz. A comunidade está cansada”.
A mãe diz ainda que DG era apaixonado pela comunidade e sonhava em conquistar melhorias para os moradores e que ela continuará o trabalho social iniciado pelo filho.

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Em determinado momento repórteres da Globo começam a ser hostilizados por moradores e manifestantes. Ouve-se gritos de “Fora Globo!”. Uma manifestante se aproxima dos funcionários e diz que a favela não os quer ali, já que trabalham para uma instituição que apoia o genocídio do preto, pobre e periférico. “Por que vocês não sobem o morro pra mostrar as atrocidades que são feitas ordenadas pelo Estado?”, pergunta a moça. Algumas pessoas da família de Douglas se negam a dar entrevista pra emissora e o grito “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!” se espalha pela capela. Uma repórter da Globo News chega a empurrar uma manifestante, na tentativa clara de que a mesma revide e ficasse então registrado uma possível agressão.

A apresentadora Regina Casé chega ao enterro de branco e cercada de seguranças armados, é recebida com gritos de “Fora UPP”. Aparentemente emocionada, a global se despede de Douglas e deixa a capela pelos fundos.
Em declaração, Regina afirma “acreditar na justiça”. Deve ser fácil acreditar na justiça quando você tem dinheiro e a política de julgamento favorece o burguês.
Se a Regina Casé realmente lamentasse a morte de Douglas, de Edilson e de tantos outros jovens que morrem diariamente nas favelas cariocas, ela talvez usasse sua figura pública para exigir essa justiça. Para trazer à tona o debate da desmilitarização, para explicar que não há nada de pacificador numa operação bélica. Que em cinco anos de implementação das UPP’s, não existe nenhum projeto de transformação social dentro desses lugares. Apenas capitães do mato, treinados pra matar, e os alvos são alvos, por serem pobres.
Hoje vai ao ar o primeiro programa “Esquenta” após a morte de DG. Recebemos informações que a gravação é uma verdadeira propaganda mentirosa das unidades. Já podemos imaginar.

No momento em que o caixão foi fechado e começou a ser carregado, uma forte comoção tomou conta das mais de 500 pessoas que acompanhavam o cortejo.
As homenagens prestadas incluiam funks de protesto, e DG foi enterrado ao som de um canção que clama por paz nas comunidades: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci. E poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar.”
Dois parentes do jovem passaram mal e precisaram de atendimento médico.
Fogos de artifício se misturavam aos gemidos de dor, ao choro e aos gritos de “DG!”

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Presenciamos a declaração de Paulo Henrique dos Santos, amigo de DG, que fez uma denúncia formal à polícia, onde disse ter recebido ameaças de homens da UPP local na última semana. “Os PMs tinham implicância com o DG por conta de uma desavença em 2011. A moto dele chegou a ser apreendida e, depois, devolvida. Ele sempre era abordado. Na semana passada, não concordei com a abordagem de um policial e discuti com ele. O PM disse que eu, DG e os demais dançarinos do Bonde da Madruga éramos bandidos e que estava nos filmando. Tenho medo de ser o próximo”, disse.
A Polícia Militar garantiu, por meio de nota, desconhecer o episódio.

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Após o enterro, a marcha seguiu em direção ao Pavão- Pavãozinho. De dentro dos prédios, restaurantes, bares e lojas, a população aplaudia a manifestação demonstrando apoio e solidariedade.O clima era de tensão entre manifestantes e policiais, os segundos podiam ser vistos sorrindo, em deboche à dor do povo. Comerciantes assustados fechavam correndo suas portas e imediatamente, os moradores gritavam “Não fecha, não somos bandidos!”.

Já na esquina de um dos acessos ao morro, um homem que se identificava como sendo do jornal O Globo, começa a ser hostilizado. Um grupo de PM’s se coloca em defesa do homem, puxando-o para trás e entrando em formação.
Nesse momento, os moradores tomam o posicionamento de rechaçar a polícia, entendendo que aqueles homens recebem ordens para matar suas famílias.
Em seguida, o braço armado do Estado entra em ação: além de spray de pimenta, atira bombas de gás lacrimogêneo a esmo.
Instala-se um cenário de desespero: pessoas passando mal, impedidas de voltarem pras suas casas, exaustas do enterro de um amigo.

Um cinegrafista do jornal A Nova Democracia ficou ferido na perna e barriga, após ser atingido por bombas.
Moradores que conseguiram subir durante a confusão, fizeram barricadas para tentar impedir nova incursão policial.
Até sairmos do morro, havia centenas de policiais, de arma em punho, circulando pelas ladeiras e vielas.

Mídia Negra está em luto junto com a comunidade Pavão-Pavãozinho, e em memória de DG e Edilson, repudia as declarações sensacionalistas e tendenciosas feitas pela mídia corporativista.
Acreditamos e declaramos que as manifestações são legítimas, não são ações ordenadas pelo tráfico e nada tem a ver com oposição partidária. O que está acontecendo no Brasil chama-se insurgência, e é a resposta do povo à política estatal de gentrificação e “limpeza social”, que culmina no genocídio negro no país e se desenha nas Unidades de Polícia Pacificadora das favelas cariocas.
Sobre as acusações de que militantes estariam “explorando a morte dos jovens” para pautar suas reinvidicações, respondemos que são esses acontecimentos que nos levam a fazer denúncias. Que a injustiça e a desigualdade é que nos levam às ruas.
O esforço militante não se limita à atos. Estamos dentro e fora das comunidades, buscando atividades, mobilizações, que visem uma verdadeira transformação social, através de informação e conhecimento.
Não são os militantes que induzem oprimidos. São as necessidades dos oprimidos que direcionam as ações militantes.
A favela pede pra lembrar, e estamos firmes nesse coro, que mesmo há pouco mais de um mês do planejado para o início do megaevento, “NÃO VAI TER COPA!”.

Veja + fotos : http://zip.net/byndNM

Rio de Janeiro
Mídia Negra
25-4-14
(A)


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